Ele, revoltado por não conseguir livrar seu cliente da condenação certa, mesmo sendo inocente, saiu para andar depois da chuva, ainda pior que o fracasso da prisão de um assassino que não matou ninguém é molhar os pés nessas poças imundas, além de caminhar sem destino, fazê-lo com os pés gelados, agora cada passo não só perdido também será doloroso.


Acabou por entrar em um longo beco entre dois prédios, tinham suas paredes todas cobertas de um musgo-lodo muito úmidas, era tão inóspito quanto sinistro, parcialmente iluminado por uma lâmpada pendurada alta que havia sobrado entre as outras quebradas, balançava um pouco com o vento, trêmula, vagamente tremula, mais moribunda que agitada.


Enquanto adentrava aquela penumbra se aproximava o som de um gotejar insolente resto lamurioso da chuva finda, como o tic tac aflitivo da morte que nos espreita, contando seus dias.


Como que surgido das sombras inconstantes, alguem vestido em negro vinha na outra direção, a cada passo mais um pingo na poça ecoava no beco como se fosse um pequeno pedaço de metal com seu som sibilante escorrendo pelas paredes úmidas. Que figura indesejada, mais um pingo, como ele me encontrou aqui ? Mais um pingo. Se ele me atacar aqui não tenho como fugir, mais um pingo.


Um tiro aqui faria muito barulho, ele deve estar com uma faca embaixo daquele casaco.

?

O vulto parece estar andando mais rápido, que acelerar enervante, chegando já tão próximo ele toma uma diagonal íngreme saindo da sua calçada em direção à minha, o ar feito de concreto falha a me alimentar os pulmões, ouço cada passa passo dele vindo em minha direção, e o gotejar me torturando ao gritar estridente que estou em meus últimos momentos, que agonia, e nem tenho como fugir nem lutar, já tremendo, sem nem mesmo respirar. Aquilo chega diante de mim, tão perto, tão alto, parece que a sombra já está toda sobre mim.?

XXX

Trôpego e trêmulo, só vejo ele tirando aquele objeto de dentro do sobretudo e batendo com ele em meu estômago, um bloco de papel envolto em um envelope pardo, enquanto eu seguro o pacote junto ao corpo com uma mão e ele vai se afastando pelo outro lado do beco sem me permitir ver seu rosto, consigo respirar aliviado como alguém que quase se afogou no medo, o ar fresco, úmido e leve como um sopro de vida suave enquanto a chuvinha que se despedia de mansinho cantarola delicadamente pelas gotículas que acariciavam as pequeninas poças que se faziam de charmosas antes de continuar seu caminho natural.

No envelope, as fotos que comprovam a inocência do meu cliente. Agora é aproveitar essa noitinha alvissareira. Amanhã salvo uma vida!